Bandeirantes e pioneiros – Paralelo entre duas culturas (Editora José Olympio, 2011, 446 p. R$ 54,00), escrito por Vianna Moog em 1954, tenta abordar diferenças na colonização dos Estados Unidos, feita por protestantes calvinistas, e a do Brasil, realizada por portugueses católicos. De um lado coloca claramente uma admiração pela potência do norte, no auge do sucesso após a Segunda Guerra Mundial e toda a propaganda que havia por detrás disso, e de outro uma tentativa de sempre justificar qualidades que existem no Brasil, talvez porque como empregado do governo sentisse a obrigação de fazê-lo.
Vianna Moog segue literalmente o pensamento expresso por Max Weber em “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, que não leva em conta que o capitalismo não era o mesmo em 1700, na segunda metade do século XIX, e muito menos o é agora, no início do século XXI. Ignora, por exemplo, que a Suécia luterana era um dos países mais atrasados da Europa no início do século XIX, com massas de pessoas emigrando para a também luterana e nórdica, porém próspera, Dinamarca.
Divide os países entre católicos e protestantes, quando vários desses mesmos países (Holanda, Suíça, Alemanha) nunca foram e não são homogêneos em termos religiosos.
O autor, porém, comete diversos erros. Mais de uma vez menciona que Portugal fôra ocupado pelos mouros por oito séculos. Usa ponto de exclamação nisso, em uma das vezes. Vejamos: Maomé lançou a base na religião islâmica em 622 (ano da Héjira), os mouros chegaram em 711 à Andaluzia e ao Algarve (“poente”), o Condado Portucalense foi formado em 868, em 1143 Portugal obtém a separação do Condado com relação ao Reino de Leão. Como se calculam oito séculos nessa história? Ah, ele deve se referir (com contas erradas) à reconquista da Andaluzia, em 1492, por Castela e Aragão. Só que isso não é história de Portugal…
Compara a geografia dos dois países. A existência de carvão mineral, como elemento industrializador em um, inexistente no outro; as planícies entre os Apalaches e as Montanhas Rochosas, comparada com a Serra do Mar, a Serra Geral e a Serra da Mantiqueira; o Mississipi como “rio da unidade nacional”. Aí repete o conhecido jargão de chamar o São Francisco de “rio da unidade nacional”, conceito ultrapassado, que hoje em dia é visto por hidrólogos e técnicos como sendo a bacia do Tocantins-Araguaia, que de fato nunca teve relevância na ocupação histórica do Brasil.
Faz paralelos entre personagens, como o casal Caramuru e Paraguaçu, e a dupla John Smith e Pocahontas. Sério? Também entre Aleijadinho e Lincoln. Difícil de crer… Fora o festival de personagens de Walt Disney.
Algumas partes são bem interessantes, como a submissão dos brasileiros (e portugueses) ao que viesse de Paris, e um desprezo, que em certos meios perdura até hoje, ao que tenha origem nos Estados Unidos.
Uma pequena frase que destaco é que os americanos (as pessoas que foram viver nos Estados Unidos) foram as primeiras pessoas a se identificar como “americanos”, enquanto que os índios nunca tiveram essa noção de nacionalidade, e os nascidos de colonizadores portugueses (“muzambos”) e espanhóis (os “criollos“) renegavam a todo custo o fato de que estavam permanentemente na América, sempre com os olhos voltados para os países dos antepassados.
De certo o autor faz comparações e análises interessantes, mas em algumas a parcialidade (em favor dos Estados Unidos) é preponderante. O elogio exagerado a tudo o que provém dos Estados Unidos, não deixa de incluir menção às refeições dos americanos. Uma pena que o autor não tenha vivido o suficiente para ver a epidemia de obesidade mórbida que o American way of life espalhou pelo mundo, e as incontáveis pesquisas que valorizam o feijão-com-arroz do cotidiano brasileiro.
Em um trecho, Moog escreveu: “… em Washington também há o golpista e o gangster. Exato. Há, porém, uma diferença que assinalar em Washington, como nos Estados Unidos em geral, o gangster e o golpista, o sonegador, o contrabandista, o perjuro, quando apanhados fora da lei, vão para a cadeia e são expostos à execração pública, ao passo que no Rio de Janeiro, como em geral no Brasil – onde para os impontuais os envididados, os jogadores, os que conseguem ganhar com o café, a borracha, o açúcar, o algodão, o com que pagar os juros e os juros dos juros de dívidas provenientes de excursões à Europa, custeio de advocacias e administrativas, e de um padrão que afronta a miséria dos pobres – se reservam os benefícios de reajustamentos econômicos como para fraudadores, mistificadores e contraventores, o prêmio periódico das anistias fiscais, que tanto tentam a perserverança dos bons quanto fomentam a audácia dos aventureiros. Estes é que, cortejados, festejados, parecem servir de exemplo de que, na vida, fora do golpe, não há salvação.”
Parabéns, e vejam que o autor do livro sequer conheceu os “embargos infringentes”…
Parabéns, também, pela importantíssima menção da prática da coivara, que os índios praticavam e que foram repassadas aos caboclos. É de se lamentar que os pseudo-ambientalistas e os pseudo-indigenistas de ONGs esqueçam desse crime.
Moog esqueceu de citar a “tradição” americana de, periòdicamente, matar (ou tentar matar) seus governantes. Eis aí uma outra coisa que poderíamos adaptar para nossa realidade.
Bandeirantes e Pioneiros é um livro que deve ser lido com atenção, e com muitas ressalvas.