Terminei de ler Infância, de J. M. Coutzee (Companhia de Bolso, 2010, 150 p., R$ 20,00).
A “ficção auto-bio-gráfica” do próprio Coetzee, passada em diferentes áreas do Cabo Ocidental, é um amontoado de lembranças mal resolvidas de uma infância amarga em que o autor coloca-se como terceira pessoa, na década de 1940.
Foi possível a Coetzee mostrar um bom apanhado da África do Sul, sua incrível variedade de paisagens na geografia, a presença de etnias muito diferentes, tanto na origem geográfica quanto no tempo histórico, o que, em geral, é mal conhecido pela maioria dos estrangeiros (presos a estereótipos do politiquês correto e històricamente falho, tão cheios de pré-conceitos quanto os que são lançados contra os antigos governantes africânderes – afrikaners), a diversidade de línguas (atualmente onze são as línguas oficiais no país), a multiplicidade de igrejas. Um país de múltiplas faces, onde o autor auto-bio-grafado parece não se encaixar.
Nisso o livro foi uma viagem que pude refazer, por ter passado uma temporada na África austral, há cerca dee sete anos, e por ter visitado quase todos os lugares mencionados por Coetzee.
Contudo, foi outra vez uma decepção ler algo do mais falado escritor sul-africano! Alguns capítulos são de leitura ágil, prendem a atenção do leitor, enquanto que os seguintes podem ser arrastados, cheio de rodeios, viagens sem rumo.
A edição da “griffe”, como de hábito, é fraca. Por exemplo, menciona-se o Karoo pela primeira vez no livro na página 49, mas só adiante, depois de ser citado mais vezes, aparece na página 83 uma Nota do Editor para dizer que se trata de uma ” “região semidesértica da África do Sul”, cheia de flores, faltou também dizer. Provàvelmente o Editor e os revisores não tinham lido com atenção as páginas anteriores. A lombada da capa também é escrita com as letras de modo que o título não possa ser lido se estiver na posição horizontal.
Além de minhas lembranças reavivadas com os diversos capítulos, pude lembrar de minha primeira professora de Inglês:
to like significa gostar de; ninguém like of, e ninguém gosta sòzinho.
O pessoal da editora, pelo visto, não teve aulas com dona Gilberta. Não sabem que regência verbal existe tanto em inglês como em português.
A linguagem de Coetzee, no original, como tive a oportunidade de ler em Disgrace (mal traduzido para Desonra em português), não imita os erros gramaticais de personagens; usa em inglês a linguagem correta. Não foi o que ocorreu na tradução em português, que invàriavelmente ignorou a ênclise, que muitas vezes dá mais rapidez à frase, pela tonicidade no início. Muitas frases soariam melhor. O des-acordo ortográfico, tão precioso à editora, pouco me importa.
Por sua vez, nem todas as frases escritas em africânder (afrikaans) mereceram tradução para o português, pois não deve haver tradução para o inglês no original. Podiam ao menos ter merecido uma nota de rodapé, como o Karoo.
Por sorte, quando na África do Sul, como já comentei no artigo anterior, tive a sorte de ler livros de outros autores, e minha visão sobre o país foi muito mais ampliada, do que aos leitores que apenas conhecem Coetzee, seus prêmios de jornalista e o Nobel. Para mim fica consolidada a percepção de que Academia de Letras e Prêmio Nobel são apenas galardões políticos, não méritos efetivos.
Curtir isso:
Curtir Carregando...