religião

Bhagavad-Gita, como ele é

Fui ler Bhagavad-Gita, como ele é (Fundação Bhaktivedenta, 1998, primeira edição condensada.

O autor é Sua Divina Graça A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada, fundador–acharya da Sociedade Internacional da Consciência de Krishna (nome completo do Movimento Hare Krishna), o erudito mais proficiente da sabedoria védica do mundo contemporâneo (1896-1977). O livro é uma obra póstuma, portanto. Produto da fundação, talvez.

Bem, certamente não sou um erudito, muito menos na difícil interpretação das religiões hinduístas.

Exatamente, religiões.

Como todas as outras religiões, o hinduísmo é um amontoado de seitas, hábitos e regras, que como outras não têm unidade e muito menos uma autoridade única reconhecida por todos os seguidores. Algumas datam de alguns milênios, outras, como o movimento Hare Krishna, foram formadas há algumas décadas. Não é coincidência com o que ocorre em outras religiões.

O hinduísmo tanto é levado como uma religião monoteístas, por alguns, como uma coleção de milhares de deuses e de seus avatares, segundo outros. Depende do ponto de vista do agrupamento religioso ou filosófico.

O livro contém um glossário, que pouco mais de uma centena de palavras e de expressões mencionadas no Bhagavad-Gita, personagens ou características.

Uma delas, por exemplo, diz que ´Siva é um semideus que supervisiona o modo da ignorância e aniquila o cosmos material”.

Curioso, pois Shiva é cultuado por milhões de hinduístas como o Mahadev (o grande deus da tríade suprema), que calou Brahma, o criador, e que traz a destruição do mundo para permitir que sua  faça a recomposição.

Já sabia que o Bhagavad-Gita é uma epopéia que vangloria Krishna, um dos avatares de Vishnu, o preservador, ou, segundo o glossário, a personalidade divina.  Vishnu, porém, é complementar aos outros deuses, e não superior aos outros. Existe a criação, a perservação e a renovação (pós-desfecho). Hare Krishnas não pensam dessa forma, pois são “donos absolutos da verdade”. Seita, tal qual tantas outras que vemos em cada biboca do planeta, que a cada dia demonstra estar precisando de uma reciclagem, de preferência da espécie humana.

Aliás, há escolas hinduístas que pregam que tudo o que a religião ensina se refere tão somente a este universo, e há outros milhares deles no multiverso (quântico, se preferir).

O livro fixa-se nesse avatar central de Krishna e seus companheiros. Certamente não explica o hinduísmo amplo, que era admirado pelo astrofísico e astrobiólogo Carl Sagan (1934-1996).

Consuilte o verbete sobre o autor na Wikipedia

https://en.wikipedia.org/wiki/A._C._Bhaktivedanta_Swami_Prabhupada

e encontrar algumas de suas muitas idéias.

Chocantes!

Vale a pena conhecer a “paz e a fraternidade” que pregam.

dois livros sobre mitologias

Li simultâneamente dois livros sobre mitologias (mitologia é tudo o que não se refere à “minha” religião), adquiridos por R$ 10,00 cada um:
O Grande Livro da Mitologia Egípcia, de Claudio Blanc (editora Camelot, 2021, 144 p.) e
Deuses Romanos e de Outras Mitologias, de Herma Wilson (editora Prime HB Hunter Books, 2016, 176 p.).
O livro que trata exclusivamente das religiões do antigo Egito aborda superficialmente os faraós e a história da antiga potência e traz verbetes sobre cerca de cinqüenta divindades cultuadas em distintas épocas.
O segundo bàsicamente aborda as semelhanças dos deuses gregos e romanos, e suas lendas, e ao final ràpidamente aborda outras mitologias, incluindo a egípcia, e passa depois à celta, teutônica, hindu, africana e ameríndia-asteca.
Os dois livros são superficiais, resumindo outras tarefas já realizadas por outros autores, em outros países e tempos.
De um lado, colecionam artigos encontrados na Wikipedia, e de outro apenas lançam curiosidades e clichês já editados em trabalhos mais profundos.
A ênfase nas lendas de trindades divinas poderia ser mais elaborada, e não apenas en passant. Bibliografias mencionadas parecem ter sido incluídas apenas para constar, sem mostrar onde se encaixam nos diversos capítulos.
A leitura desses dois livros pode ser útil como a dos antigos almanaques. Nenhum dos dois serve, porém, de referência sobre o assunto.

Um homem bom é difícil de encontrar e outras histórias

Um homem bom é difícil de encontrar e outras histórias, de Flannery O”Connor (Editora Nova Fronteira, Coleção Clássicos de Ouro, tradução e prefácio de Leonardo Fróes, 220 p., 2018, R$ 49,50).

Não conhecia essa escritora, que tão bem retratou o sul dos Estados Unidos na metade do século XX, cheio de religiosidade exagerada, discriminação racial, e outros tipos de preconceitos.

O livro contém os contos:

  • Um homem bom é difícil de encontrar
  • rio
  • A vida que você salva pode ser a sua
  • Um golpe de sorte
  • Um templo do Espírito Santo
  • O negro artificial
  • Um círculo no fogo
  • Um último encontro com o inimigo
  • Gente boa da roça
  • Refugiado de Guerra

todos com sua ponta de humor ácido, sarcasmo, ironia, que merecem ser relidos para melhor interpretação.

As descrições de paisagens ou de pessoas são ricas, sem o exagero comum de muitos adjetivos, que tornam a leitura aborrecida, mas com uma dose de comparações inusitadas, como “a mulher baixa que parecia uma urna funerária”, apontada no prefácio.

Tive com a leitura de Flannery O’Connnor uma surpresa desagradável.
Gente Boa da Roça, foi publicado pela primeira vez em 1954.
Uma moça chamada Hulga fica sem a prótese de perna mecânica, roubada por um vendedor de bíblias.

Que coincidência!

Em 1970, foi publicado Antes do Baile Verde, de Lygia Fagundes Telles (1923-xxx).
Um dos contos desse livro é Helga, a história de uma mocinha que fica sem a perna mecânica, roubada por um namorado.

Como disse um amigo, com quem comentei essa “coincidência”,

impossível não lembrar Dora, tanto de Central do Brasil quanto de A Vida é Bela, ambos filmes que concorreram ao ôscar em 1998.
Ou Rebecca, de Daphne du Maurier (1938) e A Sucessora, de Carolina Nabuco (1934),
e também A Vida de Pi (2001), inspirado em Max e os Felinos, de Moacyr Scliar (1981).

Na arte nada se cria, tudo se copia.

Bulas de remédios genéricos conseguem ser mais originais…

 

 

Clarice

Esta semana foi repleta de homenagens a Clarice Lispector. Até aí, normal.

Li, porém, um pequeno artigo em que ela é mencionada como a segunda maior escritora judia do mundo, só perdendo para Kafka.

Kafkiano o comentário.

O que a carioca da elite da metade do século XX tem de tão representativo da cultura judaica?

Quem escreveu esse pequeno artigo no mínimo é um preconceituoso que adora rotular as pessoas. Qual a importância de Clarice ter nascido de uma família judia ucraniana?
Qual a importância para a literatura em alemão que Kafka tenha sido circuncidado e feito Bar Mitzvah?

Já leu Isaac Bashevis Singer?
Este sim é um tremendo escritor judaico.
Seus contos são retratos da cultura iídiche, na Polônia, nos Estados Unidos ou na Argentina.
Nem Kafka nem Clarice se pré-ocuparam com tradições de origem religiosa quando escreviam suas obras.

Clarice é uma ótima escritora.
Do Rio de Janeiro de classe alta de uma época que alguns ainda não admitem que se extinguiu.

Ponto.

 

Do Olimpo a Camelot

Do Olimpo a Camelot, um panorama da mitologia européia (David Leeming, Jorge Zahr Editor, tradução de Vera Ribeiro, 2004, 192 p., R$ 20,00) abarca os diversos mitos europeus, em capítulos divididos pelas sub-regiões geográficas do continente, geralmente co-relacionando as diversas culturas e seus respectivos mitos.

 

Trata bàsicamente da

  • mitologia grega (com destaque para o período minóico anterior à civilização helênica, cujos mitos são mais conhecidos),
  • mitologia romana (com destaque para a mitologia etrusca que, formação troiana, moldou Roma antes da influência helênica),
  • mitologia germânica (e nórdica-viking),
  • mitologia(s) báltica, eslava e balcânica (pouco conhecidas e muito relacionadas com mitos persas e indianos),
  • mitologia finlandesa e outras mitologias não-indo-européias, inclusive a civilização tartéssica onde hoje é Portugal, supostamente de origem fenícia, nos séculos VIII a V a.e.c., e os bascos.

 

Em conclusão aborda os padrões míticos europeus e hegemonia cristã (que assimilou os diversos mitos), que trata das

  • divindades européias e mitos da criação, com as várias versões do criador, o trapaceiro, a agricultura, o sacrificado que ressurge, a fertilidade,
  • herói mítico europeu (com rápidos comentários sobre a figura do super-herói germânico e sobre a “mão invisível do mercado” de Adam Smith).
  • os mitos filosóficos europeus e o mundo moderno, interessante capítulo que ligeriamente aborda Platão, Aristóteles, Freud, Jung e o big bang.

 

O livro inclui vários trechos de lendas que narram os infinitos mitos.
Interessante, porém de leitura não muito rápida, o livro merece ser conhecido.

 

Deuses, faraós e o poder

Deuses, faraós e o poder – Legitimidade e Imagem do Deus Dinástico e do Monarca no Antigo Egito – 1550-1070 a.C – (Júlio César Mendonça Gralha, Barroso Produções Editoriais – UERJ, 2002, 190 p., R$ 25,00) é uma dissertação defendida em 2002 na Universidade Federal Fluminense.

Nela o autor aborda a religião e o poder imperial após a unificação dos antigos reinos do Alto e do Baixo Egito, e trata dos deuses locais, mantidos em seus cultos, durante as XVIII, XIX e XX dinastias.

Embora Ptá seja o deus criador, que nunca foi criado, que trouxe os seres vivos a partir da lama do rio Nilo, o culto a Ra (depois Amon-Ra), o deus primordial Sol predominava para governantes e sacerdotes, cabendo a Osíris as celebrações referentes aos mortos.
De Ptá os gregos criaram a palavra Aegypt, com que o país passou a ser conhecido no mundo europeu. Henoteísmo era a regra.

É explicada a importância da linhagem feminina na herança real (muitas vezes a rainha concebia um filho do espírito de um deus). Os deuses são justificativas para as dinastias.

O livro concentra o foco nas relações com hititas, assírios e babilônios, inclusive casamentos interdinásticos que traziam períodos sem guerras, e nos reinados da “faraona”  Hatshepsut, de Amenófis III, Amenófis IV (Akhenaton) e a rainha Nefertiti, e o auge sob Ramsés II. Trata das alterações da arquitetura que surgiram ao longo desse período, para atender às necessidades político-religiosas.
Naturalmente merece destaque a reforma religiosa monoteísta ordenada por Akhenaton, que foi posteriormente revogada por seus sucessores.

Nas muitas notas do texto, menciona-se que os dez mandamentos do judaísmo seriam uma forma reduzida das 42 confissões contidas no Livro dos Mortos.
Outra herança egípcia sobre a cultura judaica seria a subordinação do rei à divindade que lhe concede poder.

O livro é rico em fotografias e em ilustrações. Contém também muitos textos hieróglifos, com a respectiva tradução literal e o significado correspondente.

 

 

 

Deus reconhecerá os seus

Deus reconhecerá os seus: a história secreta dos cátaros, de Maria Nazareth Alvim Barros (Rocco, 2007, 256p. R$ 35,00) aborda um tema importante, como o extermínio dos cátaros / albigenses, nos séculos XII e XIII, por ordem do papa Inocêncio e sob as rédeas de Arnaud Almaric (traduzido por Arnaldo Amauri pela autora) e de Simon V de Montfort, contra os condes e outros senhores feudais do Sul da França, o que resultou na expansão e ocupação dos governos de Paris sobre aquela região da Europa.

O genocídio desses cristãos ordenado pelo Vaticano, em conluio com Filipe II Augusto, também teve como objetivo eliminar o apoio que setores cristãos prestavam aos judeus.

A ordem aos soldados e mercenários era: na dúvida, matem todos, pois Deus reconhecerá os seus para perdoá-los.

Certamente um dos piores períodos da glamourizada história da França.

A leitura, porém, é mais incômoda do que os fatos narrados.
A autora fez um livro de história repleto de adjetivos, que o tornam um romance sem diálogos, porém aborda superficialmente o pensamento gnóstico dualista dos albigenses, preocupando-se mais em narrar batalhas e tramas diplomáticas que permearam a cruzada.