Moçambique

Cada homem é uma raça

Cada homem é uma raça, de Mia Couto (Companhia das Letras – 2015 – 200 p., R$ 39,90) contém 11 contos, originalmente publicados em 1990.

O grande escritor moçambicano mais uma vez destaca sua capacidade de criar cenários e palavras.

Os contos, porém, não diferem muito uns dos outros. A Rosa Caramela; Rosalinda a nenhuma; A princesa russa; O ex-futuro padre e sua pré-viúva; Mulher de mim; A lenda da noiva e do forasteiro; Os mastros do Paralém falam de um amor impossível entre uma mulher e um homem. São previsíveis.

O apocalipse privado de tio Geguê; e Sidney Poitier na barbearia de Firipe Beruberu foram os dois de que eu mais gostei.
Outros dois contos no livro são O Embodeiro que sonhava pássaros, bastante poético; e O pescador cego.

Concluí a leitura sem ter a mesma excelente impressão que havia tido com Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra;  e com Contos do nascer da Terra.

Fica porém a dica para sempre se procurar uma obra de Mia Couto, para descansar os olhos e exercitar o cérebro.

Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra

livro009Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra é um interessante romance de Mia Couto (Companhia das Letras, 2009, 262 p., R$ 26,00).
Narra a história de Mariano, jovem que mora na cidade e é chamado para o funeral do avô Dito Mariano, na pequena aldeia de Ilha-do-Chão, à margem do Rio Madzimi. Ali ele reencontra o pai Fulano Malta, os tios Abstinêncio e Ultímio, a avó Dulcineusa, a tia-avó Admirança, a gorda cunhada da avó Miserinha, o português Padre Nunes, e o médico goês Amílcar Mascarenha. Vai sendo levado às lembranças de sua mãe Mariavilhosa, que se afogara no rio.

No rio se passam as histórias das pessoas da aldeia, o porto, a corrupção dos agentes do governo, o tráfico de drogas, as bebidas.
Na casa do avô, chamada Nyumba-Kaya, junção da palavra “casa” nas línguas do Norte e do Sul,  já com partes em ruínas, desenrola-se um funeral que demora para ser realizado, com o teto arrancado para que o velório não a poluísse de maus fluidos.
Cartas psicografas vão sendo encontradas por Mariano, e ele paulatinamente ele descobre segredos da família, e de outras pessoas da Ilha-do-Chão.

Uma soma de frustrações, de (auto-)enganos, desejos e adultérios percorre as páginas do livro.
Nos últimos dos vinte e dois capítulos, um tom mais de lirismo na prosa começa a permear o romance, de modo a chegar a uma conclusão sobre a vida daquelas pessoas no tempo e naquela terra.

Uma leitura recomendável, um excelente exercício mental para quem percorre suas páginas.

 

Contos do nascer da Terra

livro010Contos do nascer da Terra, de Mia Couto (Companhia das Letras, 2014, 270 p,, R$ 21,00) contém 35 textos do renomado escritor moçambicano, um dos maiores expoentes da literatura em língua portuguesa contemporânea.

Em todos eles, a característica de criar palavras, a partir de dois conceitos que se somam ou se opõem, como O homem era um vidabundo, ou Minha água-natal, de freqüentemente alterar ditos e provérbios, como Não ata nem diz ata, e de formar frases com palavras de som assemelhado, como Um homem atravessou a calçada, desavultado vulto avulso.

Os contos muitas vezes relatam casos da relação entre pais e filhos, ou de casamentos desfeitos, de pessoas vítimas da guerra civil que marcou a fase da independência de Moçambique, ou são adaptações de fábulas africanas. Na verdade, preferi ler os contos criados do que as fábulas adaptadas, que se tornaram em geral sem forma nem formato, desenroladamente roliças.

A leitura dos contos é um constante exercício para os olhos e para as idéias do escritor e do leitor, para quem utiliza os neurônios subjacentes da linguagem.

Mia Côunto: leitura obrigatória.

 

Desacordo ortográfico, o livro

Desacordo ortográfico (R$ 27,00) é o título de um livro da gaúcha não editora, de 2009, que, organizado por Reginaldo Pujol Filho, reúne contos e algumas poesias de vários escritores contemporâneos brasileiros, portugueses e africanos, e mantém as diferenças da escrita local de cada um dos países, tal como a necessidade do vocabulário as requer.

Os brasileiros Luís Fernando Veríssimo, Altair Martins, Maria Valéria Rezende, Manoel de Barros, Cardoso, Reginaldo Pujol Filho, Xico Sá e Marcelino Freire, alternam-se com os portugueses Patrícia Reis, Luís Filipe Cristóvão, Patrícia Portela, Rita Tombarda Duarte, João Pedro Duarte, Gonçalo M. Tavares, com os angolanos Luandino Vieira, Ondjaki e Pepetela, com os moçambicanos Rogério Manjate e Nelson Saúte, e também com a representante de São Tomé e Príncipe Olinda Beja.

É notável a diferença de estilos. Os brasileiros, ao recorrer ao quase-pornográfico sem constrangimento (e exceder da fórmula, talvez na busca da cura de alguma frustração e insatisfação em muitas atividades); os portugueses, abusando da forma para atingir o conteúdo; e os africanos, com a simplicidade do que lhes é quotidiano.

Fico com os africanos, pela expressão e sinceridade.