Rousseau

Esquerda Caviar

Esquerda Caviar – A hipocrisia dos artistas e intelectuais progressistas no Brasil e no mundo (Rodrigo Constantino, Editora Record, 2013, 423 p., R$ 42,00) caiu perfeitamente para muitos parentes, amigos, conhecidos e ex-colegas de trabalho. Confesso que eu algumas partes fui ao espelho e fiz um mea culpa.

O livro divide-se em três partes, a primeira das quais muito bem fundamentada, com muitas pensadores de um lado e do outro contrapostos, para que se possa ver com nitidez o quanto são ridículos, sujos, imbecilizantes e outras coisas mais, esses modismos hipócritas da correção política, das “minorias” no domínio da sociedade, e toda a “bondade rousseauniana” das leis que moldam as pessoas em robozinhos.

O capítulo sobre as origens da esquerda caviar, ou liberal limousine (EUA), champagne socialist (Inglaterra), radical chic (Itália), ou simplesmente a velha conhecida “esquerda festiva” dos centros acadêmicos, trata de vinte variantes: oportunismo hipócrita, narcisismo, elite culpada, tédio, histeria, racionalização, preguiça mental, ópio dos intelectuais, alienação, insegurança e covardia, medo, nihilismo, síndrome de Estocolmo, ressentimento, infantilidade, romantismo, desprezo popular, arrogância fatal, sede pelo poder, ignorância. Em seguida, fala sobre o duplipensar, ou seja, alterar o significado de palavras para que elas se encaixem ao pensamento polìticamente correto e hipócrita, e conclui essa primeira parte com o viés da imprensa.

A segunda parte menciona algumas das bandeiras que a esquerda caviar gosta de empunhar: a obsessão anti-americana, o ódio a Israël, o culto ao multiculturalismo (e ao Islã), os pacifistas, o mito Che Guevara, a ilha presídio de Cuba, os melancias (verde por fora e vermelho por dentro), os clichês de justiça social, os preconceitos dos que não têm preconceitos, as minorias, e a juventude utópica.

A terceira parte aborda alguns santos de pau oco, que ganham muito dinheiro às custas de propagandas e campanhas em prol da falsidade, e do escamoteio do estilo de vida desses mesmos santos: Obama, Gandhi, John Lennon, Noam Chomsky, Paul Krugman, Michael Moore, Sting, Al Gore, Peter Singer, John Kerry, Ted Kennedy, Bill Clinton, George Soros, Harrison Ford, Leonardo DiCaprio, Cameron Díaz, Robert Redford, Brad Pitt, Angelina Jolie, George Clooney, Barbra Streisand, Richard Gere, James Cameron, John Travolta, Bruce Springsteen, Oliver Stone, Whoopi Goldberg, Jack Nicholson, Matt Damon, Gérard Depardieu, Ben Affleck, Sean Penn, Bono Malo Vox, Oprah Winfrey, Benicio del Toro, Oscar Niemeyer, Chico Buarque, Luís Fernando Veríssimo, Wagner Moura, Eduardo Matarazzo Suplicy ex-Smith de Vasconcelos, Chico Alencar, Luciano Huck. Fora isso, muitos outros nomes são assinalados durante as duas partes anteriores, como Gilberto Gil, Fernanda Montenegro,
Desde o início do livro, Rodrigo Constantino salienta que não coloca em xeque o valor artístico das pessoas, mas a contradição entre o que dizem polìticamente e o estilo de vida que levam.

Não dá para concordar com tudo o que Rodrigo Constantino colocou no livro. Falar do Tibete como “vítima” é um tanto quanto “esquerdismo caviar” de muita gente que ignora que a região SEMPRE foi parte do império chinês, que NUNCA foi um país independente, que em 1911 deputados tibetanos fizeram parte da assembléia constituinte republicana chinesa (ou seja, eram parte da China), e que o que deixa o dalai lama indignado não é o domínio chinês, mas a perda do poder feudal que ele e seu clero exerciam sobre 85% da população tibetana que vivia em regime de servidão, para atender 10% de sacerdotes.
Só no finzinho do livro RC lembrou de juntar Mr. Richard Gere e Mr. Tenzin Gyatso no mesmo cesto de artistas festivos, caviarescos e champanhotes.

Interessante a menção final, de luz no fim do túnel, ao citar a mudança de opinião de Ferreira Gullar, enojado com o que seus antigos colegas “socialistas” têm feito nos últimos 90 anos. Um mar de sangue e um sem fim de prisões a quem os contrariar. Pena que o livro tenha sido escrito em 2013, e não tenha tido a oportunidade de incluir o que Eduardo Galeano disse em Brasília sobre “Veias Abertas da América-Latina”:

“Hoje não gostaria de reler o livro. Não me sinto mais ligado a esse livro como era. Quando escrevi, tinha 19, 20 anos. As veias abertas da América Latina tinha de ser um livro de economia política mas eu não tinha o conhecimento necessário para isso. A realidade mudou muito e eu também mudei”.

 

Vinte Anos de Crise – 1919-1939

Demorei muito para reler Vinte Anos de Crise, um clássico da ciência política escrito por E. H. Carr  (Edward Hallet Carr) exatamente no início da Segunda Guerra Mundial.

Vinte Anos de Crise (Editora Universidade de Brasília, 2001, 312 p.) tem prefácio do professor Eiiti Sato (o mesmo que fez as notas de rodapé de Utopia, de Morus). O livro tenta explicar porque teorias políticas tão freqüentemente chocam-se com as realidade políticas. Os fracassos internacionalistas pós-Primeira Guerra Mundial conduziram à Segunda Guerra. A Primeira Guerra, muito mal resolvida pelo revanchista Tratado de Versalhes que a França impôs à Alemanha.

O livro, porém, não fala de fatos, e sim de teorias, e o pano de fundo é sempre a defasagem entre utopias, em geral de cunho rousseauniano, e a realidade. Ao contrário da Utopia de Morus, que era uma ditadura imperialista, os devaneios rousseanianos sobre “o bom selvagem” têm contribuído até hoje para grandes perversões políticas. A obsessão “intelectual” de que a realidade tem de se adaptar ao discurso de dirigentes politicos, mesmo que para isso “enfeitem” resultados. Se algo deu errado, a culpa é da realidade, não das idéias, marca do intelectual que sempre culpa o burocrata pelos erros que não admite ter cometido.

Um dos aspectos mais encarados por Carr, no livro, é o da teoria de “harmonia de interesses”, como se fosse possível que o “bem” de um grupo fosse se assimilar ao de outro grupo, bem distinto. A falsa teoria de “soma zero” que conduz à felicidade de todos.

O fracasso do mundo pós-Primeira Guerra em grande parte foi resultado dessa “harmonia”, que internacionalistas como Wilson tentaram impor na Sociedade (ou Liga) das Nações, [que lamentàvelmente ainda perdura com o rótulo de Organização das Nações Unidas, um gigantesco cabide de empregos que existe para si mesmo.]

Carr aponta que o realismo também tem suas muitas limitações, como a tendência a analisar a História com julgamentos morais, sem levar em conta que estes variam de época para época, como se fosse possível, com essa análise, atingir uma “previsão científica” dos acontecimentos políticos.

Interessantes os sub-capítulos em que o autor estuda a convergência entre poder militar na definição política, a separação entre economia e política (contrariando analistas marxistas), e a relação recíproca entre opinião e política, ora uma, ora a outra moldando o todo.  Versa também sobre interesses locais, específicos, em contraposição a interesses genéricos, nacionais. Fala dos tratados e do direito nos assuntos internacionais, que podem facilitar a obtenção de alterações pacíficas.

Noto eu que, infelizmente, passado um século da Primeira Guerra Mundial, o pensamento internacional (e nacional) ainda prefere dar ouvidos a teorias, a utopias, a pensamentos ao estilo de Rousseau, e prefere esconder debaixo do tapete a vasta gama de objetivos que não têm como ser alcançados por meio de gestos de “bondade”. A ditadura do “polìticamente correto” que se instalou nos últimos anos, o “multiculturalismo” que tem gerado mais conflitos do que “harmonia de interesses”, e a manipulação da opinião pública solidificam meu ceticismo.

Só uma curiosidade: en passant, Carr comenta como Mussolini aproveitava idéias de Lênin para iludir a “classe trabalhadora” na Itália dos anos ’20 e ’30. E ainda há quem , hoje em dia, use sem conhecimento o adjetivo “fascista”.
Sobre esse assunto, recordo que vale a pena a leitura de Fascismo de Esquerda, que assombra ao mostrar as semelhanças entre Roosevelt e Hitler na manipulação da opinião pública.

O livro necessitava ter sido passado pelos olhos minuciosos de um bom revisor. São demasiado evidentes erros como uso inapropriado da mesóclise ou do infinitivo pessoal, o uso de advérbios de modo ecoando na mesma frase, e outras coisas que independem da tradução.